A realidade e as palavras

"Quando te questionarem acerca dAquilo, nada deves negar ou afirmar, pois o que quer que seja negado ou afirmado não é verdadeiro. Como poderá alguém perceber o que Aquilo possa ser enquanto por si mesmo não tiver visto e compreendido? E que palavras poderão então emanar de uma região onde a carruagem da palavra não encontra uma trilha por onde seguir? Portanto, aos seus questionamentos oferece apenas o silêncio. Silêncio... e um dedo apontando o caminho." -Siddhartha Gautama, o Buda






segunda-feira, 30 de maio de 2011

Ser

SER... APENAS SER!
                                                   

Nada que interpretar, julgar ou conhecer!


quarta-feira, 18 de maio de 2011

O Silêncio e as Palavras - Crença e Realidade


“O silêncio é a única linguagem capaz de expressar a totalidade da verdade!"  -Ramana Maharshi                                                                                 
A realidade do Ser e existir está antes e além de qualquer formulação conceptual. A falsidade e a ilusão é que dependem de conceitos e de crenças. A realidade do que é e do que existe não depende de crença ou formulação verbal. Qual a necessidade de crença? Só o que é falso necessita de ser suportado por crença. O que é real mantém-se por si mesmo. Na ausência de crença, a realidade não deixa de ser o que é. Apenas o que é ilusório desaparece. Podes não acreditar na gravidade, mas não é por isso que deixarás de te despenhar se saltares de um avião sem para-quedas. A terra sempre girou em torno do sol, não passou a fazê-lo somente depois de Copérnico ou Galileu. Não precisas de saber o nome do rio para nele poderes nadar. A autêntica realidade encontra-se além do verdadeiro e do falso. Estes conceitos apenas dizem respeito a frases e proposições. Mas a realidade é anterior, transcendente e independente da sua formulação verbal. A mentira não tem qualquer forma de subsistência para além da dimensão verbal. Não há qualquer necessidade de combater a mentira. Temos apenas de iluminar a verdade. Na ausência de palavras não subsiste a mentira. No silêncio apenas a realidade está presente. Na ausência de nomes e palavras a mentira encontra-se desprovida do único alimento que a sustenta. O silêncio apaga a mentira. Faz com que a verdade brilhe no seu máximo esplendor. Purifica a visão da realidade.

É um esforço inútil e é completamente ilusório procurar sustentar uma batalha contra o ego. O ego não é uma entidade. É apenas uma atividade. Tão efémera e intermitente como qualquer outra atividade. Procurar combater ou eliminar o ego é atribuir-lhe realidade. À semelhança daquelas pessoas que se munem de amuletos e se dedicam a exorcismos e rituais, alimentando dessa maneira os próprios fantasmas que julgam combater. O ego consiste precisamente neste processo de criar ilusões. Travar uma guerra contra o ego é como utilizar gasolina para apagar um fogo. Não existe tal coisa como um "ego" separado das atividades que o sustentam. E a luta contra o ego é precisamente uma dessas atividades. O próprio pensamento é sustentado pelo esforço que o procura eliminar.

O ego não é nada mais que desejo e aversão, escolha e rejeição, memória e interpretação. Não existe um ego que atua. Estas atividades são elas mesmas o próprio ego. Na ausência de pensamento, quando a mente está em silêncio, não existe tempo, não existe condicionamento, não existe ego. Aquele que se procura libertar só existe na cela de uma prisão. O escravo não se torna livre. A liberdade é o findar tanto do escravo como da prisão. A liberdade não tem qualquer relação com a escravidão. O escravo que se procura libertar nunca deixará de ser escravo. Tanto o escravo como a liberdade que ele projeta e idealiza fazem parte das grades da prisão.

É por isso que a libertação é tantas vezes apresentada como um processo imediato. Os mestres Zen são os mais pragmáticos, os mais diretos e menos pacientes a este respeito. Não têm paciência para discursos, racionalização e argumentos. O que fazem é renunciar a todo o conhecimento discursivo, a toda a especulação e esforço, para se estabelecerem na gratuitidade e simplicidade deste momento eternamente presente, a realidade atemporal do aqui e agora.

Se nalgum momento a leitura destas linhas suscitar alguma dificuldade ou esforço de compreensão, isso mais uma vez é devido ao desejo de conhecimento, de certeza e segurança. É preferível renunciar a seja o que for que estamos a procurar obter do que converter isto num problema a resolver. Tudo o que esse esforço e essa atividade poderá conseguir será meramente uma satisfação momentânea. Enquanto procurarmos satisfazer esse desejo de segurança, ele terá que ser satisfeito uma e outra vez indefinidamente. O problema terá que ser resolvido repetidamente e jamais alcançaremos a satisfação permanente. Porque a satisfação do desejo de segurança é sempre momentânea, tem validade a prazo. Nada de duradouro e permanente pode surgir da atividade do pensamento. O que um pensamento constrói, outro pensamento pode destruir. A própria mente tem uma existência intermitente.

Havia um homem que a intervalos regulares polvilhava com um certo pó todas as divisões da sua casa. Quando lhe perguntaram porque o fazia, respondeu: «É para afastar os fantasmas e espíritos malignos!». «Mas aqui não há fantasmas ou espíritos!», disseram-lhe. «Claro!», respondeu o homem, «porque o pó os mantém à distância!». Enquanto procurarmos satisfazer o anseio de certeza, jamais saberemos se essa necessidade é real ou ilusória.

Enquanto julgarmos que precisamos da experiência e do conhecimento para respondermos adequadamente aos desafios e circunstâncias, teremos medo de dispensar todo o nosso aparato conceptual. Mas enquanto não o fizermos, jamais poderemos saber se ele é ou não necessário. Jamais saberemos o que é a liberdade e o amor. Através dos mecanismos do medo e das atividades por ele engendradas, jamais poderemos encontrar a paz e a felicidade que buscamos.

domingo, 8 de maio de 2011

Ser e Vir-a-Ser


O pensador faz parte do pensamento e não subsiste quando este termina. O pensador só está presente enquanto decorre o processo de pensamento. É uma entidade ilusória à qual o pensamento atribui permanência. Na realidade não existe pensador mas apenas pensamento. Na ausência de pensamento permanece apenas o Ser ou Consciência impessoal que não beneficia de qualquer aquisição ou renúncia elaborada pelo pensamento. A entidade que utiliza o pensamento para se auto-aperfeiçoar, para se engrandecer ou diminuir, para atingir ou alcançar, é uma entidade ilusória, uma projeção ou invenção do pensamento. Não tem maior realidade ou permanência que o próprio pensamento. Quando te criticas ou julgas a ti próprio, és vitima de uma ilusão. Crias dentro de ti uma divisão que na realidade não existe. É na desmontagem desta ilusão básica de dualidade e separação, que consiste aquele insight a que chamamos "despertar". Esta compreensão põe fim ao esforço volitivo do pensamento e promove a integração interior. O importante é não lutares contigo próprio. O teu ser é uno e não dual.

O que significa dizer que não há ninguém para compreender? Ninguém para se libertar? Ninguém para se iluminar? Significa em essência que é artificial e ilusória a separação entre a ação e o agente, entre o pensador e os seus pensamentos, entre o sujeito observador e o objeto observado. É inútil e ilusório estabelecermos dentro de nós mesmos uma fragmentação ou divisão em que uma parte procura consertar ou aperfeiçoar a outra. Tal como é ilusório procurar abstrair da compreensão uma entidade que compreende.  Este esforço está condenado ao fracasso. A entidade que recorda e avalia, que procura reter ou recuperar, não existe no exato momento da experiência. O experimentador e a experiência constituem uma unidade. Não existe um experimentador permanente separado das suas experiências transitórias. Mas o viver e experimentar permanece em meio à transitoriedade de todas as experiências.

Eu agora compreendo claramente a futilidade do apego e do esforço para reter a compreensão. Mas é inútil fazer estes registos tendo como motivação o desejo de tornar permanente esta compreensão. Não devo converter isto numa ideia a reter para servir de guia na ação. Eu não estou a produzir uma receita que me garanta a repetição desta claridade e de futuras compreensões. Eu não tenho o controle; de nada sou o autor. A compreensão vem a mim e apazigua a minha mente assim como os raios de sol aquecem a minha pele. Eu não sou o agente que deliberadamente faz e provoca aquele aparecimento. Apenas o vivencio e usufruo. É uma bênção gratuita. Tudo o que é verdadeiramente grandioso e significativo é gratuito. Não pode ser nada que eu tenha merecido ou conquistado. Por isso a vida do sábio é livre de esforço, de volição e das complicações do pensamento egocêntrico. O sábio vive com a mesma simplicidade e alegria, com a mesma espontaneidade e confiança de uma criança no seu estágio pré-moral.

Eu não posso através do esforço volitivo do pensamento, ressuscitar um estado em que o desejo, o esforço e o pensamento se encontravam ausentes. A compreensão surge do silêncio, brota da paz e do vazio. O importante é esta paz e este vazio no qual surge a compreensão. Ao procurar reter a experiência da compreensão, esse desejo constitui-se num empecilho e num obstáculo àquele vazio, àquela paz e quietude em que a compreensão pode desabrochar. "Não podemos reter a compreensão  de modo a garanti-la continuamente, afirmava Krishnamurti, o que tem continuidade não é o real; é simplesmente um hábito". Por isso dizia que "a verdade vem sem chamamento e nos surpreende como um ladrão". Não devemos recear morrer para todas as nossas experiências porque na verdade todas elas têm um findar. E a iluminação ou despertar não se constitui em qualquer excepção. A renuncia e desapego tem que ser absoluta e incondicional. A entidade que se liberta só existe enquanto não há liberdade; a entidade que se ilumina dissolve-se na iluminação; aquele que desperta desaparece no próprio despertar.

Toda a atividade egocêntrica, toda a preocupação em torno da própria pessoa, todo o esforço visando o auto-aperfeiçoamento, é um roubo àquela disponibilidade, àquele espaço de atenção e silêncio necessário para podermos receber a vida sempre imprevisível que acontece à nossa volta e da qual participamos. E esta atenção ou consciência, este espaço de disponibilidade e silêncio não precisa de ser construído, fabricado ou produzido através de qualquer esforço volitivo da nossa parte. Ele já é inato em nós, ou antes, é aquilo que realmente somos e jamais podemos perder. Não nos apercebemos dele apenas devido à distração que constitui a atividade egocêntrica do pensamento. Não o podemos converter num estado a realizar ou meta a atingir. É paradoxal mas só o vivenciamos verdadeiramente quando renunciamos ao desejo de o obter. Esta renúncia e o silêncio que a acompanha expurga a realidade de tudo aquilo que lhe é alheio. Liberta o nosso ser verdadeiro daquilo que é falso e ilusório. Nas palavras de Fernando Pessoa: "A renúncia é libertação; não querer é poder".    

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Esforço e Renúncia



"Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu!" - F. Pessoa 
"Quando atingires o topo da montanha, continua a subir!" -Provérbio Zen 

"Cogitaciones volant, conscientia manent!" (os pensamentos voam, a conscência permanece!). 


Que procuras tu reter? Ou alcançar? Ou recuperar? Ou compreender?... Renuncia ao desejo de conhecer, ao teu anseio por certeza e segurança. Simplesmente abandona e confia. Não temas o silêncio. Não receies morrer. Só o que é ilusório desaparece. O que é real nunca deixa de estar presente. A esponja apaga todos os riscos, mas o quadro não é apagado, o quadro permanece. Quando no fim do filme se apaga a luz do projector, a tela permanece intacta, pronta a receber o próximo filme. O homem sábio constantemente morre para todas as experiências. A liberdade do sábio consiste numa permanente atitude de renúncia, desapego e desprendimento. Sabe que o silêncio jamais será vazio! 

 Para quê querer guardar a verdade na memória ou num livro sagrado?... Se ela está eternamente escrita no Universo! A verdade é uma presença silenciosa e o teu acesso a ela é incondicional. Estamos sempre imersos na verdade. A mente sob a forma de esforço e pensamento é que é isolante e separativa. Aquilo que precisa de ser retido, capturado ou recuperado não pode ser a verdade. A realidade mais autêntica e essencial não pertence ao campo do impermanente e transitório. Portanto, se algo se foi, deixa que se vá. Renuncia ao pensamento volitivo. Não te esforces por reter ou recuperar. Aquilo que requer esforço, apego e volição não tem qualquer importância ou valor. Qualquer coisa que adquiras acabarás por perder. O que precisa de ser retido por ação da vontade e do desejo, terá que ser repetidamente capturado, uma e outra vez, numa atividade extenuante e num inútil desperdício de energia. Encontrar o que desejas, nunca passará de uma satisfação temporária destinada a desvanecer-se novamente.

 Para quê desperdiçar esforço e energia tentando compreender, possuir ou conhecer? Tudo o que o pensamento constrói está destinado a desaparecer. É como um desenho na areia à beira-mar que as ondas inevitavelmente acabarão por lavar. Aquele que utiliza a descrição e a palavra a fim de se apropriar da experiência é ele próprio de natureza impermanente e transitória. É apenas um atributo do pensamento e não uma entidade que lhe sobreviva. Não tem qualquer realidade para além daquela que o pensamento lhe confere. Não passa de uma entidade fictícia resultante do desejo de segurança e da busca por repetição e permanência. A sua realidade é apenas aparente e ilusória. Surge e desaparece com o próprio pensamento que a criou..

Se um pensamento se foi, porque te esforças por o recuperar? Sendo a sua natureza impermanente, que diferença faz para ti depositá-lo numa folha de papel? A folha jamais terá sensações! É preferível renunciar à luta e ao esforço, à vontade de possuir e controlar. Relaxa e descansa! Aquilo que for realmente importante não deixará de te visitar quando for oportuno. Aquilo que a circunstância requerer, ela própria te irá prover. O importante não é possuir a verdade cristalizada num livro ou na memória, mas antes manter uma mente tranquila, desperta e vigilante, capaz de a refletir em todos os momentos. Que importam as palavras se o espírito por trás delas se encontrar ausente?... E se o espírito está presente, para quê as palavras?

 Por mais extático, sublime ou inspirado que seja um estado subjetivo, as palavras jamais o poderão captar, conservar ou transmitir. Todas as palavras sofrem das mesmas limitações. Por mais intensa que seja uma vivência subjetiva, a sua objetivação ou expressão em qualquer forma deixa sempre de fora aquela vivência. Vemos o riso da criança, não a sua alegria. Ouvimos a música que sai do piano, não a que se encontra no coração do pianista. Nenhum quadro de Van Gogh substitui o seu olhar. Nenhum Sermão do Monte nos pode transmitir a visão de Cristo do reino dos céus. A palavra e o pensamento brotam dum silêncio e dum vazio que a palavra e o pensamento jamais poderão capturar ou substituir. Não são as palavras que dão vida ao espírito, é o espírito que dá vida às palavras. A subjetividade objetivada é sempre ilusória, pretende atribuir a um objeto aquilo que é inerente ao sujeito.

 A busca conduz inevitavelmente à frustração e desencanto uma vez que todas as experiências e estados de consciência serão sempre transitórios e passageiros. Se compreendes que tudo é impermanente, então nenhum estado tentarás produzir, nenhum prazer desejarás reter, nenhuma experiência conservar. Paradoxalmente o nosso acesso àquilo que é realmente importante, precioso e significativo não requer qualquer esforço. É uma dádiva gratuita, sempre disponível e presente. Pede apenas que a aceitemos. Requer apenas a nossa presença, apenas que estejamos vivos. O nosso cepticismo, a nossa busca, a nossa inveja e avidez é que nos cega para aquilo que nos é mais intimo que o próprio respirar. Algo que da nossa parte apenas requer aceitação e silêncio. O ruído do pensamento jamais o poderá compreender. A mente jamais o poderá contactar. O que sempre buscámos é na verdade a única coisa que jamais perdemos.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Mestre e discípulo

A maioria dos mestres e gurus fazem atraentes discursos sobre a beleza da comunhão com Deus, o ser uno com o universo e o êxtase da vida livre da tirania do ego. Fazem-no à semelhança de alguém que, das águas frescas de um rio numa tarde de calor, fala para os que se encontram na margem e descreve a maravilhosa sensação do contacto com a água. O verdadeiro sábio é aquele que sem pronunciar uma palavra te agarra por um braço, te puxa para dentro da água e deixa que tu mesmo descubras essas sensações. Quem está numa prisão não quer brilhantes discursos sobre a vida ao sol e ao ar livre. O que quer é um túnel ou uma ponte que o tire dali para fora. Imagina que estás à beira da morte por inanição. Um homem acerca-se de ti fazendo maravilhosas descrições da comida,  explica-te todo o processo biológico da assimilação dos alimentos, a circulação do sangue e o funcionamento do aparelho digestivo. Depois fica exasperado por verificar que morreste antes de ter concluído. Um outro, simplesmente te apoia a cabeça nos seus braços e te leva à boca água e alimento. Qual deles foi para ti a ajuda mais essencial?

Os mestres espirituais, os gurus, os "despertos" e "iluminados" podem ser infinitamente bem-intencionados ao falar e ao escrever os seus livros. Mas a verdade é que involuntariamente podem alimentar nos discípulos precisamente aquilo que cumpre eliminar: a actividade do ego, da busca e do desejo. O guru ou o mestre espiritual, pode ter-se desembaraçado do ego e ter acedido ao ser autêntico, puro, essencial e não condicionado. Mas quando põe em palavras a sua experiência, desperta em quem o ouve o desejo de aceder à mesma realidade. Podem querer eliminar a atividade egocêntrica mas o que fazem é apenas dar-lhe uma nova forma, uma nova direção. O ego não deixa de ser o que é apenas porque muda o seu objecto de desejo. Um mestre pode, porque se libertou do desejo e da atividade do ego, experimentar um estado de ser que pinta com as cores mais maravilhosas. Mas a verdade é que ao dar nome à sua experiência, ao pô-la em palavras perante um auditório, o que faz involuntariamente é espetar neste o aguilhão da inveja, contribuindo assim para fortalecer precisamente o que pretende matar.

Aquilo que é fruto da naturalidade e da espontaneidade não pode ser transformado em objecto de desejo. Não pode ser colocado no fim da estrada como uma meta ou objectivo a atingir. O mestre ou guru não tem que exibir perante o discípulo a beleza e o êxtase de um estado futuro que supostamente poderá alcançar. O que ganha o discípulo com essas descrições? A ajuda eficaz seria aquela que volta a atenção para o estado real do discípulo. Aquela que lhe permite tomar consciência das atividades ilusórias da mente e do desejo. Aquela que lhe mostra como ele é o seu próprio carcereiro. Que lhe permite tomar consciência de que o seu sofrimento, a sua ansiedade e o inferno que experimenta não é mais do que um produto da sua própria fábrica mental. Apenas disto é que se deve consciencializar e apenas sobre isto é que deve despertar. O que vier depois dessa libertação, virá, e ele cá estará para o receber. Não tem que ser previamente informado e assim transformá-lo num objectivo, numa meta a alcançar e num desejo a satisfazer. Se o que o mestre ou guru faz é despertar-lhe esta atividade do desejo, seria preferível não os ler ou escutar, pois longe de lhe serem benéficos são antes prejudiciais.

O mestre mais eficaz e compassivo estende ao discípulo uma mão que representa uma ajuda inteligível desde a sua margem do rio (do discípulo). Se apenas se compraz numa espécie de masturbação verbal a partir da margem em que se encontra (o mestre), então de nenhuma utilidade poderá ser. O discípulo não tem que ser exposto a belas descrições do paraíso e da "vida espiritual" que o aguarda após a libertação do ego. Quando já não funcionar através do ego, ele próprio poderá fazer essas descrições. E talvez até encontre formas mais belas e sublimes de o fazer e expressar. Enquanto sob a tirania do ego, essas descrições de nada lhe servem. Liberto dessa tirania, elas são-lhe totalmente supérfluas.

A principal barreira que o discípulo experimenta na sua relação com o mestre tem a ver com a  dificuldade em se colocar na mesma perspetiva e ponto de vista. Mas frequentemente o mestre comete o erro de não se saber colocar no lugar do discípulo. O mestre encontra-se numa dimensão diferente e muitas vezes não sabe, ou não procura, descer ao nível do discípulo e estender-lhe uma ajuda compreensível desde o ponto de vista deste último. Fala utilizando uma linguagem que só é compreensível para quem já não precisa dela.