"Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu!" - F. Pessoa
"Quando atingires o topo da montanha, continua a subir!" -Provérbio Zen
"Cogitaciones volant, conscientia manent!" (os pensamentos voam, a conscência permanece!).
Que procuras tu reter? Ou alcançar? Ou recuperar? Ou
compreender?... Renuncia ao desejo de conhecer, ao teu anseio por certeza e
segurança. Simplesmente abandona e confia. Não temas o silêncio. Não receies
morrer. Só o que é ilusório desaparece. O que é real nunca deixa de estar
presente. A esponja apaga todos os riscos, mas o quadro não é apagado, o quadro
permanece. Quando no fim do filme se apaga a luz do projector, a tela permanece
intacta, pronta a receber o próximo filme. O homem sábio constantemente morre
para todas as experiências. A liberdade do sábio consiste numa permanente
atitude de renúncia, desapego e desprendimento. Sabe que o silêncio jamais será
vazio!
Para quê querer guardar a verdade na memória ou num livro
sagrado? Ela está eternamente escrita no Universo! A verdade é uma
presença silenciosa e o teu acesso a ela é incondicional. Estamos sempre
imersos na verdade. A mente sob a forma de esforço e pensamento é que é
isolante e separativa. Aquilo que precisa de ser retido, capturado ou
recuperado não pode ser a verdade. A realidade autêntica e essencial não
pertence ao campo do impermanente e transitório. Portanto, se algo se foi,
deixa que se vá! Renuncia ao pensamento volitivo. Não te esforces por reter ou
recuperar. Aquilo que requer esforço, apego e volição não tem qualquer
importância ou valor. Qualquer coisa que adquiras acabarás por perder. O que
precisa de ser retido pela ação da vontade e do desejo, terá que ser
repetidamente capturado, uma e outra vez, numa atividade extenuante e num
inútil desperdício de energia. Encontrar o que desejas, nunca passará de uma
satisfação temporária destinada a desvanecer-se novamente.
Para quê desperdiçar esforço e energia tentando compreender,
possuir ou conhecer? Tudo o que o pensamento constrói está destinado a
desaparecer. É como um desenho na areia à beira-mar que as ondas acabarão por lavar. Aquele que utiliza a descrição e a palavra
a fim de se apropriar da experiência é ele próprio de natureza impermanente e
transitória. É apenas um atributo do pensamento e não uma entidade que lhe
sobreviva. Não tem qualquer realidade para além daquela que o pensamento lhe
confere. Não passa de uma entidade fictícia resultante do desejo de segurança e
da busca por repetição e permanência. A sua realidade é apenas aparente e
ilusória. Surge e desaparece com o próprio pensamento que a criou..
Se um pensamento se foi, porque te esforças por o recuperar?
Se a sua natureza é impermanente, que diferença faz para ti depositá-lo numa
folha de papel? A folha jamais terá sensações! É preferível renunciar à luta e
ao esforço, à vontade de possuir e controlar. Relaxa e descansa! Todo o recurso realmente importante não deixará de se manifestar quando for oportuno. Aquilo que
a circunstância requer, ela própria te irá prover. O importante não é possuir
a verdade cristalizada num livro ou na memória, mas antes manter uma mente
tranquila, desperta e vigilante, capaz de a refletir em todos os momentos. Que
importam as palavras se o espírito por trás delas se encontrar ausente?... Mas se
o espírito está presente, para quê as palavras?
Por mais extático, sublime ou inspirado que seja um estado
subjetivo, as palavras jamais o poderão capturar, conservar ou transmitir. Todas
as palavras sofrem das mesmas limitações. Por mais intensa que seja uma
vivência subjetiva, a sua objetivação ou expressão em qualquer forma deixa
sempre de fora aquela vivência. Vemos o riso da criança, não a sua alegria.
Ouvimos a música que sai do piano, não a que se encontra no coração do
pianista. Nenhum quadro de Van Gogh substitui o seu olhar. Nenhum Sermão do
Monte nos transmite a visão de Cristo do reino dos céus. A palavra e o
pensamento brotam dum silêncio e dum vazio que a palavra e o pensamento jamais
poderão captar ou substituir. Não são as palavras que dão vida ao espírito, é
o espírito que dá vida às palavras. A subjetividade objetivada é sempre
ilusória, pretende atribuir a um objeto aquilo que é inerente ao sujeito.
A busca conduz inevitavelmente à frustração uma
vez que todas as experiências e estados de consciência serão sempre
transitórios e passageiros. Qualquer coisa que obtenhas acabarás por perder. Se compreendes que tudo é impermanente, nenhum estado tentarás produzir, nenhum prazer desejarás reter, nenhuma
experiência conservar. Paradoxalmente o nosso acesso àquilo que é realmente
importante e significativo não requer qualquer esforço. É uma dádiva
gratuita, sempre disponível e presente. Pede apenas que a aceitemos. Requer
apenas a nossa presença. Apenas que estejamos vivos. O nosso cepticismo, a
nossa busca, a nossa inveja e avidez é que nos cega para aquilo que nos é mais
intimo que o próprio respirar. Aquilo que apenas requer aceitação
e silêncio. O ruído do pensamento jamais o poderá compreender. A mente jamais o
poderá contactar. O que sempre buscámos é na verdade a única coisa que sempre tivemos.
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