A realidade e as palavras

"Quando te questionarem acerca dAquilo, nada deves negar ou afirmar, pois o que quer que seja negado ou afirmado não é verdadeiro. Como poderá alguém perceber o que Aquilo possa ser enquanto por si mesmo não tiver visto e compreendido? E que palavras poderão então emanar de uma região onde a carruagem da palavra não encontra uma trilha por onde seguir? Portanto, aos seus questionamentos oferece apenas o silêncio. Silêncio... e um dedo apontando o caminho." -Siddhartha Gautama, o Buda






quarta-feira, 4 de maio de 2011

Esforço e Renúncia



"Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu!" - F. Pessoa 
"Quando atingires o topo da montanha, continua a subir!" -Provérbio Zen 

"Cogitaciones volant, conscientia manent!" (os pensamentos voam, a conscência permanece!). 


Que procuras tu reter? Ou alcançar? Ou recuperar? Ou compreender?... Renuncia ao desejo de conhecer, ao teu anseio por certeza e segurança. Simplesmente abandona e confia. Não temas o silêncio. Não receies morrer. Só o que é ilusório desaparece. O que é real nunca deixa de estar presente. A esponja apaga todos os riscos, mas o quadro não é apagado, o quadro permanece. Quando no fim do filme se apaga a luz do projector, a tela permanece intacta, pronta a receber o próximo filme. O homem sábio constantemente morre para todas as experiências. A liberdade do sábio consiste numa permanente atitude de renúncia, desapego e desprendimento. Sabe que o silêncio jamais será vazio! 

 Para quê querer guardar a verdade na memória ou num livro sagrado?... Se ela está eternamente escrita no Universo! A verdade é uma presença silenciosa e o teu acesso a ela é incondicional. Estamos sempre imersos na verdade. A mente sob a forma de esforço e pensamento é que é isolante e separativa. Aquilo que precisa de ser retido, capturado ou recuperado não pode ser a verdade. A realidade mais autêntica e essencial não pertence ao campo do impermanente e transitório. Portanto, se algo se foi, deixa que se vá. Renuncia ao pensamento volitivo. Não te esforces por reter ou recuperar. Aquilo que requer esforço, apego e volição não tem qualquer importância ou valor. Qualquer coisa que adquiras acabarás por perder. O que precisa de ser retido por ação da vontade e do desejo, terá que ser repetidamente capturado, uma e outra vez, numa atividade extenuante e num inútil desperdício de energia. Encontrar o que desejas, nunca passará de uma satisfação temporária destinada a desvanecer-se novamente.

 Para quê desperdiçar esforço e energia tentando compreender, possuir ou conhecer? Tudo o que o pensamento constrói está destinado a desaparecer. É como um desenho na areia à beira-mar que as ondas inevitavelmente acabarão por lavar. Aquele que utiliza a descrição e a palavra a fim de se apropriar da experiência é ele próprio de natureza impermanente e transitória. É apenas um atributo do pensamento e não uma entidade que lhe sobreviva. Não tem qualquer realidade para além daquela que o pensamento lhe confere. Não passa de uma entidade fictícia resultante do desejo de segurança e da busca por repetição e permanência. A sua realidade é apenas aparente e ilusória. Surge e desaparece com o próprio pensamento que a criou..

Se um pensamento se foi, porque te esforças por o recuperar? Sendo a sua natureza impermanente, que diferença faz para ti depositá-lo numa folha de papel? A folha jamais terá sensações! É preferível renunciar à luta e ao esforço, à vontade de possuir e controlar. Relaxa e descansa! Aquilo que for realmente importante não deixará de te visitar quando for oportuno. Aquilo que a circunstância requerer, ela própria te irá prover. O importante não é possuir a verdade cristalizada num livro ou na memória, mas antes manter uma mente tranquila, desperta e vigilante, capaz de a refletir em todos os momentos. Que importam as palavras se o espírito por trás delas se encontrar ausente?... E se o espírito está presente, para quê as palavras?

 Por mais extático, sublime ou inspirado que seja um estado subjetivo, as palavras jamais o poderão captar, conservar ou transmitir. Todas as palavras sofrem das mesmas limitações. Por mais intensa que seja uma vivência subjetiva, a sua objetivação ou expressão em qualquer forma deixa sempre de fora aquela vivência. Vemos o riso da criança, não a sua alegria. Ouvimos a música que sai do piano, não a que se encontra no coração do pianista. Nenhum quadro de Van Gogh substitui o seu olhar. Nenhum Sermão do Monte nos pode transmitir a visão de Cristo do reino dos céus. A palavra e o pensamento brotam dum silêncio e dum vazio que a palavra e o pensamento jamais poderão capturar ou substituir. Não são as palavras que dão vida ao espírito, é o espírito que dá vida às palavras. A subjetividade objetivada é sempre ilusória, pretende atribuir a um objeto aquilo que é inerente ao sujeito.

 A busca conduz inevitavelmente à frustração e desencanto uma vez que todas as experiências e estados de consciência serão sempre transitórios e passageiros. Se compreendes que tudo é impermanente, então nenhum estado tentarás produzir, nenhum prazer desejarás reter, nenhuma experiência conservar. Paradoxalmente o nosso acesso àquilo que é realmente importante, precioso e significativo não requer qualquer esforço. É uma dádiva gratuita, sempre disponível e presente. Pede apenas que a aceitemos. Requer apenas a nossa presença, apenas que estejamos vivos. O nosso cepticismo, a nossa busca, a nossa inveja e avidez é que nos cega para aquilo que nos é mais intimo que o próprio respirar. Algo que da nossa parte apenas requer aceitação e silêncio. O ruído do pensamento jamais o poderá compreender. A mente jamais o poderá contactar. O que sempre buscámos é na verdade a única coisa que jamais perdemos.

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