A realidade e as palavras

"Quando te questionarem acerca dAquilo, nada deves negar ou afirmar, pois o que quer que seja negado ou afirmado não é verdadeiro. Como poderá alguém perceber o que Aquilo possa ser enquanto por si mesmo não tiver visto e compreendido? E que palavras poderão então emanar de uma região onde a carruagem da palavra não encontra uma trilha por onde seguir? Portanto, aos seus questionamentos oferece apenas o silêncio. Silêncio... e um dedo apontando o caminho." -Siddhartha Gautama, o Buda






sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Problemas e Percepção


 



A realidade nunca é problemática ao nível da pura percepção. Fora do pensamento não há problemas. Há apenas situações, um simples dar-se conta dos dados imediatamente presentes aos sentidos. O problema só surge com  as reações da memória e experiência acumulada, associada ao conhecimento e ao dar nome.

A mente é que foi a criadora do problema e portanto não o pode resolver. O problema não pode ser resolvido no mesmo nível que o criou. Se considerarmos séria e honestamente a hipótese de uma intrínseca disfuncionalidade do pensamento, então teremos de o abordar desde uma perspetiva que se encontra fora das limitações do próprio pensamento. Não mais nos podemos envolver na sua incessante atividade auto-geradora de problemas nem alimentar o seu apetite insaciável por respostas.

Quando renunciamos aos nossos esforços para resolver qualquer problema no limitadíssimo espaço da mente, é como se todo o cosmos participasse da sua resolução. Sem a interferência da mente o problema dissolve-se e desaparece. O fundamental é mantermos um espaço de silêncio e abertura ao imprevisível e desconhecido. Só quando a atenção não está inteiramente capturada pelo pensamento é que podemos ser vulneráveis àquela energia criadora que se encontra além dos limites do conhecimento e do intelecto.

A única forma de não te veres enredado nas armadilhas da mente, consiste na possibilidade de te manteres à tona do pensamento, não permitindo que a atenção seja completamente absorvida pelo arrazoamento mental. Aprende a considerar o pensamento apenas como mais um elemento entre os objetos da experiência. O importante é não atribuir qualquer preponderância à mente sobre quaisquer outros objetos da realidade presente. Não precisamos lutar com os pensamentos nem procurar eliminá-los. Basta canalizarmos para o nível energético e sensorial a energia despendida na atividade mental. É um simples redirecionamento do foco. Renunciamos à mente e ao pensamento e regressamos ao corpo e aos sentidos. Em vez de nos perdermos nos pensamentos, simplesmente nos decidimos a estar atentos e presentes, permitindo-nos ser renovados por aquilo que podemos ver, ouvir, sentir!…  O que isto requer é a atenção e não o pensamento.

Quando a mente se remete ao silêncio e imobilidade total, descobrimos que há uma ação e perceção que acontecem na ausência da mente. Uma ação e percepção totalmente espontânea e livre de esforço, em que há imediata e direta compreensão. Há algo que atua através de nós, que é maior que nós, maior que a mente e livre de todo o condicionamento. É uma dimensão que não pode ser conhecida nem possuída pela mente. Está além de todas as nossas dúvidas e perguntas. Além da nossa incessante busca por respostas. A ela se referiu Santo Agostinho quando declarou: "Ama et fac quod vis!" (Ama e faz o que quiseres!). Esta realidade nada nos pede. Apenas requer a nossa confiança e humildade. Temos apenas de sair do seu caminho e deixar esta inteligência atuar livremente.

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