A realidade e as palavras

"Quando te questionarem acerca dAquilo, nada deves negar ou afirmar, pois o que quer que seja negado ou afirmado não é verdadeiro. Como poderá alguém perceber o que Aquilo possa ser enquanto por si mesmo não tiver visto e compreendido? E que palavras poderão então emanar de uma região onde a carruagem da palavra não encontra uma trilha por onde seguir? Portanto, aos seus questionamentos oferece apenas o silêncio. Silêncio... e um dedo apontando o caminho." -Siddhartha Gautama, o Buda






terça-feira, 25 de agosto de 2015

Mente, Consciência e Identidade



A questão da identidade essencial ou indagação em torno da pergunta “O que sou?”, constitui o núcleo à volta do qual gravitam todas as grandes tradições espirituais e religiosas.

Nesta inquirição alguns termos e expressões poderão adquirir significados ligeiramente diferentes em função do contexto e da tradição em que são utilizados. Por isso devemos permitir-nos alguma flexibilidade, evitando uma atitude demasiado rígida na interpretação de certas palavras e expressões.

Quem leu os grandes mestres do Zen-Budismo terá reparado que nesses textos é muitas vezes utilizado o conceito de “grande mente”, “mente essencial”, "mente única" ou “mente original” para se referirem àquilo que constitui a nossa autêntica natureza, a nossa identidade essencial e que os autores Advaita denominam “Consciência”. Ambas as tradições apontam a mesma realidade.

Na maioria dos textos Advaita faz-se uma distinção entre  mente e consciência, que de forma breve podemos clarificar como segue:

Mente – É expressão da experiência individual sob a forma de pensamentos, memórias, desejos e aversões, emoções e sentimentos. É apenas um objeto ou conteúdo da consciência. É resultado do tempo e está sujeita ao jogo da mudança e da impermanência. O "eu" pessoal e fenoménico e aquilo a que chamamos "personalidade" não passa de uma construção fictícia que resulta da nossa identificação com estas formações mentais.

Consciência – É aquilo que constitui a nossa natureza essencial e imutável. É omnipresente e atemporal, impessoal e universal. Não tem quaisquer limites, qualidades ou dimensões.  É informe e vazia, sem qualquer ubicação no tempo ou espaço. Sendo pura subjetividade não pode ser percebida objetivamente. É a realidade última e primeira a que em última instância é redutível todo o fenómeno e experiência. Esta Consciência é o que realmente somos. É aquilo que se encontra por trás da expressão "Eu Sou" ou "Existo".

Esta distinção é importante porque o nosso ser autêntico e essencial, aquilo que realmente somos, não pode ser identificado com nada que seja objeto de percepção ou experiência. A forma como em cada momento pensas, atuas e sentes, apenas reflete o teu estado, não define aquilo que tu és. David Hume, uma importante figura da filosofia ocidental, também se apercebeu disto, o que o levou a negar qualquer realidade substancial ao “eu” individual,  tal como já havia feito o Buda há 2500 anos.
 Quanto a mim, quando penetro mais intimamente naquilo a que chamo eu próprio, tropeço sempre numa ou outra percepção particular, de frio ou calor, de luz ou sombra, de amor ou ódio, de dor ou prazer. Nunca consigo apanhar-me a mim próprio, em qualquer momento, sem uma percepção, e nada posso observar a não ser a percepção.”                                                                        -David Hume, Tratado da Natureza Humana
É importante notar que não existe um "tu" e a "consciência" como coisas separadas. Só existe  consciência e não um tu que é consciente. A consciência não é um atributo. Não são as pessoas que têm consciência, é a consciência que tem pessoas. A aparente existência de um "eu" como entidade separada, não passa de uma sensação ilusória e intermitente. É apenas mais uma manifestação que surge na consciência.
Compreenda que não é o indivíduo que tem consciência, é a consciência que assume inumeráveis formas. Esse algo que nasce ou que morrerá é puramente imaginário.”                                                                               -Nisargadatta Maharaj, I Am That
Os mestres Advaita terão reparado que o nosso verdadeiro ser, a nossa natureza autêntica e original, não pode ser nada de fenoménico nem ter qualquer marco temporal. Terá que estar sempre presente, não é nada que se possa perder ou adquirir e deve estar antes e além da mente e do “eu individual". Aquilo que és não pode ser definido ou formulado positivamente. Não podes dizer o que és, mas apenas aquilo que não és. Daí a expressão “Neti, Neti” (nem isto, nem aquilo), oriunda do antigo sânscrito,  que significa que a verdade do que és, não é nada susceptível de surgir no tempo ou no espaço, nem nada.que possa ser pensado, sentido, conhecido, experimentado ou verbalizado.

Tu és aquilo que resta depois de descartares tudo o que participa do jogo da impermanência. Isto torna inúteis todos os esforços para apreender objetivamente essa realidade última, o ser essencial ou absoluto, já que todas as aparências surgem no campo fenoménico, pertencem ao mundo do tempo e do transitório.  Qualquer coisa que possas conhecer e conceptualizar manifesta-se no plano consciente. E tudo o que surge no plano da consciência é temporário e impermanente. Por isso os budistas o consideram apenas aparente ou ilusório já que tem realidade meramente relativa e dependente. O mundo surge e desaparece com a própria consciência que o percebe. Sem consciência não há mundo.

A própria consciência é a única realidade estável e permanente em meio a todo este fluxo efémero e passageiro que constitui o mundo fenoménico. Paradoxalmente, a tua realidade mais íntima e essencial é algo que jamais poderás conhecer de forma conceptual e jamais poderá ser objeto de percepção ou experiência, pois é aquilo que está na origem de todo o fenómeno e torna possível todo o experimentar. Não podes conhecer o que és, podes apenas sê-lo!

1 comentário:

  1. Não conhecemos absolutamente nada até o experimentarmos, podemos apenas ter uma ideia!

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