A realidade e as palavras

"Quando te questionarem acerca dAquilo, nada deves negar ou afirmar, pois o que quer que seja negado ou afirmado não é verdadeiro. Como poderá alguém perceber o que Aquilo possa ser enquanto por si mesmo não tiver visto e compreendido? E que palavras poderão então emanar de uma região onde a carruagem da palavra não encontra uma trilha por onde seguir? Portanto, aos seus questionamentos oferece apenas o silêncio. Silêncio... e um dedo apontando o caminho." -Siddhartha Gautama, o Buda






terça-feira, 10 de setembro de 2013

O Silêncio Jamais Será Vazio

                                                   
                                                    

Repetidamente ouvimos os mestres falar e distinguir um ego ilusório do nosso ser real, "self" ou consciência. Então desejamos uma garantia ou critério que nos permita saber quando é que uma atividade se origina num ou no outro. Mas só o ego formula tal problema ou interrogação. Apenas a mente, o intelecto pode desejar e obter tal satisfação. Pode alguma atividade auto-centrada, isto é, motivada por interesse próprio, ter origem diferente do ego? Como poderia tê-la? Só o ego deseja eliminar o ego. A luta para te libertares do ego e da personalidade ilusória, é algo semelhante a procurar limpar a tua imagem de um espelho. Por mais tempo e esforço que despendas a esfregar a sua superfície,  de cada vez que olhares irás ver nele a tua imagem refletida. Só quando te rendes à tua impotência,  quando abandonas o problema e te retiras é que a imagem desaparece. Mas quem estará aí então para confirmar a ausência da imagem?

Só no total desapego se encontra liberdade. O fogo da compreensão consome-nos completamente. E só nesta morte psicológica a ação está livre dos tentáculos do ego. Temos que desaparecer completamente. A renúncia tem que ser absoluta e incondicional. Só então o acto é lúcido e completo. O agente desaparece, há apenas ação. Termina a ilusão de uma existência separada. É este o significado de "Advaita" no experienciar da realidade: ser e existir liberto da ilusão da dualidade. É o fim do "eu" pessoal, a ausência de qualquer senso de individualidade. Desaparece a entidade separada que avalia, julga, conhece, controla, interpreta, rejeita ou aprova a experiência. Deixamos de existir noutra forma que não seja simplesmente como a luz que permite que a realidade seja. Somos então e apenas a consciência que dá vida e existência a tudo o que se experimenta. Mas não sob forma auto-consciente separada da experiência.  Não existe ninguém para conhecer ou verbalizar esse estado. Por isso Dogen, o fundador do Soto Zen japonês, escreveu no Genjôkôan: "Estudar a via do Buda, é estudar a si mesmo. Estudar a si mesmo é esquecer-se de si mesmo. Esquecer-se a si mesmo é ser uno com todas as coisas".  

O que existe são as sensações, as emoções, os sentimentos, os sons, as cores,.... mas não existe nenhum sujeito ao qual estas coisas aconteçam. Jamais encontramos qualquer individuo ou pessoa, mas apenas experiência. O "eu", a entidade separada é uma ficção criada no pensamento, uma suposição sem qualquer fundamento, um significante sem significado. Se formos realmente honestos teremos de reconhecer que tudo o que podemos encontrar é apenas experiência e jamais encontramos nenhum experimentador. Nós não somos nada mais do que espírito ou presença, a condição para que todas as manifestações possam acontecer. Somos consciência impessoal, o invisível e imanifestado continente de todo o conteúdo. E deste jamais nos podemos abstrair. A consciência e as suas manifestações forma uma unidade. O som não está separado do silêncio que o acolhe. Toda a especulação que procure separar a consciência do seu conteúdo  não passa de um exercício ocioso e artificial condenado ao insucesso.

Nós somos consciência. E a consciência assemelha-se à luz. Quando acendemos uma luz numa sala escura, o que vemos não é a luz, o que vemos são todos os objectos que ela tornou manifestos. Este é o significado autêntico do amor. O amor com nada se parece mais do que com a luz. Porque a luz nada tem de si própria. Não existe para si mesma, mas para dar existência a tudo o que existe. Todas as existências só o podem ser através dela. Sem ela nada pode ser. Mas ela nada é. Nós somos esse vazio feito consciência. Somos luz!... Apenas luz! Sem os objetos a luz perde a sua substância, sem a luz os objectos perdem o seu significado. A consciência precisa dos objetos para se poder reconhecer; os objetos precisam da consciência para poder existir. Interior e exterior é apenas um mesmo movimento inseparável e unitário. E o silêncio é a harmonia que impregna toda a experiência. 

Por isso nos escritos Taoístas e Zen-Budistas, o espírito do homem livre é tantas vezes comparado a um espelho. Ele nada procura e nada repele. Tudo recebe sem nada reter. Cada nova imagem que surge na superfície do espelho apaga a que anteriormente ele refletia. Da mesma forma é a natureza vazia da consciência que lhe permite refletir de instante em instante o perpétuo fluir da realidade sempre cambiante. É como um  rio a correr, nunca permanece o mesmo e no entanto está sempre cheio.  O silêncio jamais será vazio! Perdemos na realidade sempre que procuramos reter! 

Como posso eu morrer se nunca for permanente? Como pode desaparecer o que não chegou a existir? Tal como as águas de um rio, sou permanente renovação, que nunca volta a percorrer o caminho percorrido.

Sem comentários:

Enviar um comentário