A realidade e as palavras

"Quando te questionarem acerca dAquilo, nada deves negar ou afirmar, pois o que quer que seja negado ou afirmado não é verdadeiro. Como poderá alguém perceber o que Aquilo possa ser enquanto por si mesmo não tiver visto e compreendido? E que palavras poderão então emanar de uma região onde a carruagem da palavra não encontra uma trilha por onde seguir? Portanto, aos seus questionamentos oferece apenas o silêncio. Silêncio... e um dedo apontando o caminho." -Siddhartha Gautama, o Buda






domingo, 22 de setembro de 2013

Milagres e Realidade, Santos e Profetas, Verdade e Autoridade

Nesta questão da busca espiritual e procura da verdade, sempre me pareceu essencial a libertação da autoridade. Não há salvação fora da inteligência e esclarecimento individual. Não existe alternativa à investigação da própria experiência, à descoberta direta por nós mesmos. Por isso sou particularmente alérgico a um dos principais obstáculos à comunicação eficaz e esclarecimento da realidade. Refiro-me à necessidade de atribuir origens misteriosas e poderes sobrenaturais àqueles que consideramos sábios e esclarecidos. Deste vicio nefasto sempre sofreram as religiões organizadas. E é também o truque a que recorrem muitos pseudo-mestres ou gurus. Atraem discípulos e seguidores fazendo apelo a superstições e fantasias, avidez por milagres e promessas. Esta tentação sempre constituiu uma barreira que impediu que a autêntica mensagem dos sábios e profetas fosse eficazmente compreendida. Para que uma mensagem seja significativa e tenha valor para nós, não tem de provir de algum ser especial e transcendente que não partilhe a mesma natureza que nós partilhamos. Pelo contrário. Se essa mensagem não provem de alguém cuja natureza partilhamos, então não faz qualquer sentido procurar compreendê-la, uma vez que a sua experiência estará além daquilo que nós mesmos podemos experimentar e compreender.

Para encontrar sentido e significado no Sermão da Montanha, não preciso de acreditar que Jesus nasceu de uma mulher virgem, caminhava sobre as águas ou ressuscitava os mortos! Mesmo que comprovados, nenhum destes atributos seria o factor capaz de conferir veracidade às suas declarações. Para determinar se uma afirmação é verdadeira ou falsa, o que temos que verificar é se tem ou não correspondência na realidade dos factos e da experiência. E isso nada tem a ver com quaisquer características pessoais de quem a enuncia. Nada no mensageiro determina o valor da mensagem. Se alguém chegasse ao pé de nós e nos dissesse que a nossa casa se encontrava em chamas, o que faríamos? Iamos verificar as credenciais e o currículo de quem nos dava a informação?... Ou simplesmente desatávamos a correr para o local da nossa moradia?  Se não fosse a tentação que os seguidores (ou aproveitadores!?) dos sábios e profetas tiveram de deturpar os seus ensinamentos envolvendo-os em mitos e fantasias, a mensagem daqueles homens teria chegado até nós de forma mais autêntica, útil e eficaz. Não duvido que hoje, em muitos livros religiosos, é uma verdadeira proeza separar  a mensagem autêntica da fantasia que lhes foi acrescentada.

O que é para nós significativo e útil, é aquilo que contribui para o esclarecimento da nossa vida e da nossa experiência. As fantasias, mitos e milagres apenas confundem e impedem que a verdade chegue até nós. Somos seres humanos comuns e todos partilhamos da mesma humana natureza. A nossa experiência nada tem de transcendente ou sobrenatural. O mágico e o miraculoso não nos interessam. Só quem não está desperto para ver e sentir a beleza e o milagre que é a nossa existência concreta neste mundo, precisa da compensação e promessas de um outro mundo qualquer. A libertação e a alegria nesta vida não advém do facto de sermos imunes ao condicionamento, ao sofrimento e às paixões. Pelo contrário. Vem do facto de mais intensamente o termos experimentado e sofrido, para assim o podermos compreender e transcender. Foi o facto de termos sofrido mas termos descoberto a saída do sofrimento que leva a querer compartilhar com os outros essa descoberta.

A libertação encontra-se neste mundo e nesta vida. Na vida ordinária do quotidiano. Temos é de estar despertos e viver de forma mais consciente as nossas circunstâncias ordinárias. O paraíso que procuramos já está aqui. Nós é que sempre estivemos distraídos, ocupados em procurá-lo noutro sitio qualquer.

2 comentários:

  1. Falta muito desta lucidez a quem se arroga sábio, pseudo-mestre etc. O espírito nada tem de transcendente, é Consciência! E essa Consciência faz parte do nosso quotidiano, mais ou menos expandida, mais ou menos consciente.
    Parabéns!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. ... Essa Consciência que nós somos, já é, em si, o maior milagre! Que outro milagre podemos nós desejar?!
      Obrigado pelo amável feedback Margarida! Saudação amiga! :)

      Eliminar