"As palavras são como um dedo que aponta.
Se fixas o teu olhar no dedo apontador
perdes a realidade para a qual ele está a apontar."
-Hui Neng
Quem tem alguma familiaridade com os textos e autores da "Não-Dualidade" talvez já se tenha deparado com alguma declaração a atacar ou defender os vícios ou virtudes do que se convencionou chamar de “Neo-Advaita” em oposição ao “Advaita Tradicional”. Esse é um exercício inútil e estéril. Cada pessoa irá acatar os livros ou tradições que mais ressoarem com a sua própria compreensão. Irá valorizar os mestres e autores que mais a ajudaram a clarificar a sua própria experiência. Cada um faz os seus próprios sublinhados nos livros que lê. O nosso próprio e direto encontro com a realidade é que será sempre o último juiz da verdade. Não precisamos de um guia para caminhar pois nós mesmos já somos a luz que ilumina o caminho.
A busca por certeza e segurança, pela tradição e os mestres corretos, é um empreendimento ilusório. A mente tem horror ao mistério e à incerteza. Mas qual a necessidade de certezas e garantias, de possuir a filosofia verdadeira, de seguir a tradição correta? Todos os homens verdadeiramente sábios afirmaram a impossibilidade de as palavras poderem expressar adequadamente a verdade. A realidade será sempre infinitamente mais vasta do que quaisquer palavras que nós usemos para a representar ou comunicar.
Seja qual for a declaração que se faça, podemos sempre encontrar um sentido em que é verdadeira e outro em que é falsa. Tudo depende da nossa perspetiva e do significado que atribuímos às palavras. Qualquer coisa que o pensamento construa, o pensamento pode destruir. Ao nível verbal e intelectual é sempre possível detetar inconsistências e contradições nos escritos dos grandes mestres do Zen e Advaita, quer sejam antigos ou modernos. Mas para quem vislumbrou, além das palavras, a realidade para que elas apontam, aquelas afirmações aparentemente contraditórias revestem-se de tremenda coerência e significado.
O Advaita, tal como o Zen-Budismo ou o Dzogchen, não ambiciona criar nenhum complexo e irrefutável sistema filosófico. Não tem finalidades especulativas mas sim pragmáticas. Nada acrescenta ao nosso acervo intelectual. Modifica a nossa experiência no encontro com a vida. É muito mais um processo de esvaziamento do que de aquisição. Através da eliminação de juízos erróneos e falsos conceitos, leva-nos a uma intuição direta da natureza da realidade e da nossa própria essência. Se algum tipo de conhecimento produz, é o mesmo que recomendava Sócrates e se encontra inscrito no átrio do templo de Apolo em Delfos : “Conhece-te a ti mesmo!”
A verdade não pode ser reivindicada por nenhuma espécie de clube privado, intitule-se ele de advaita, neo-advaita ou outro rótulo qualquer. Esse tipo de discussão poderá atrair o académico e o intelectual, mas é completamente desinteressante para o buscador sincero da verdade. Este sabe que a verdade não é posse de nenhum guru, doutrina ou tradição em particular. Não tem um pouso fixo ou morada certa onde devamos ir bater para a encontrar. A verdade vem-nos às vezes sob a forma de um romance, outras vezes de um poema; tanto pode ser encontrada nas páginas de um livro sagrado como nos graffiti das paredes subterrâneas do metro. Ás vezes escutamo-la nas palavras de um profeta, outras vezes nas perguntas de uma criança. Se estamos realmente despertos podemos reconhecê-la até nos sussurros da noite e no murmúrio do vento.
Ninguém possui a verdade, ninguém está na mentira. Há pontos de vista e não verdades absolutas. Fica com aquilo que mais ressoar com a tua própria experiência. Confia na tua própria percepção da realidade. Permanece aberto ao mistério e ao desconhecido. E quando a serenidade do teu espírito for abalada pelas sombras da dúvida e da incerteza, talvez possas reencontrar alguma paz ao recordar estes versos de Fernando Pessoa:
"A terra é feita de Céu
A mentira não tem ninho
Nunca ninguém se perdeu
Tudo é Verdade e Caminho."
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